sábado, 7 de agosto de 2010

Stregoneria

STREGONERIA

Se eles tivessem lembrado que haveria cerimônia, teriam chegado mais cedo. Os monges da Ordem de São Bento entoavam o canto Cum Audisset Populus, muito conhecido dos dois. Os dois que transitavam passivamente por igrejas e templos, sem ao menos se importar com os dogmas. Malditos dogmas! O canto dos monges também era o canto dos dois. Ela, herdeira dos mais sutis dons despertos há séculos em sua família de origem italiana. Ele, conhecedor profundo das artes divinatórias. “Streghe”, disse ela. Mas se sentaram ali mesmo, no limiar entre a calçada e o trânsito de carros. Pouco trânsito.
O domingo coroava a entrada do Rei na cidade, coberto de ramos e aclamado pelo povo. Rei que fora expulso por esse mesmo povo. Uma estranha celebração, essa lembrança do Rei. Mas perdura por séculos. “E vimos isso, vimos essa história, na memória do mundo. Somos o mundo e sua memória” – ele não guardava para si seus olhos lacrimejando. Estavam em frente a Igreja e assistiam, distantes, a celebração do Domingo de Ramos. De uma das janelas, podiam ver os frades e ouvir seus cantos. Os dois fizeram silêncio. E silenciaram-se os Céus. Porque, “o que é embaixo é como o que é em cima” e “o que ligardes na terra, será ligado nos Céus”. E eles ligaram na terra para que fosse ligado nos Céus. Ele segurou sua mão e olhou em seus olhos. Os monges haviam silenciado agora. O mundo queria ouvir o perturbador silêncio do coração. Ela abriu sua alma e permitiu-se ao instante. Ela sabia que o instante definiria suas vidas. O instante sempre definia a vida. E mesmo os frades sabiam disso. “Principalmente eles” – pensaram. Algum tempo se passou até que o silêncio pudesse ser calado e o som viesse incomodar. Ele, ainda com uma das mãos segurando a dela, abriu sua bolsa e sorteou uma pedra. Colocou a pedra diante de ambos. Agora, os monges entoavam o canto gregoriano Ante Sex Dies. Os dois olharam a pedra. Era a runa em branco, Odin, o desconhecido. Entenderam o Instante a serviço do Destino. O Nada que se dispõe à construção da vida. O Nada que permite ao homem traçar seus passos, mas que não revela o chão por onde ele vai andar.
Findada a cerimônia, vendo os que saiam da Igreja, ela levantou-se e desafiou o mundo “consumatum est!”.

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