sábado, 1 de maio de 2010

[ainda sem final nem começo]

_ Soube que é militar. Mora num condomínio. Residencial Chatelêt. Disse que ele parece ter vinte e poucos anos, mas tem 43. Faz plantão. Por isso perguntou se aqui havia aeroporto. Queria poder vir de avião porque depois de um plantão, ele estaria cansado demais para uma viagem de ônibus. Contou que ele costuma ir a Campos do Jordão de avião. Disse que dinheiro é banal para ele. Uma das vezes que se falaram por telefone, ele estava irritado porque havia quebrado uma TV nova de sete mil reais. Uma TV de sete mil... que TV é essa, pra custar tanto? Mas, disse que a irritação havia passado, ele iria comprar outra no dia seguinte.
_ O que mais sabe?
_ Nada. O que mais eu teria para saber não me foi dito. Os dias não dão espaço para conversas detalhadas. Um tanto sufocante. Mas, justo.
_ Nenhuma conversa?
_ Ele insistia para que se vissem novamente. Queria que fosse em sua casa. Por mais perto que fosse, a outra cidade continuava sendo outra cidade. O estranhamento era inevitável. Queria ir, mas tinha o medo. O medo do desamparo aparente.
_ Só aparente? O que houve lá?
_ Nada. Só aparente!
_ Sim. O que aconteceu?
_ Não pude saber. Como ainda não posso. Há coisas que transcendem nosso conhecimento sensorial. Nada ouvi. Mal sei quando se viram. Se é que se viram. Note... não há nada de novo. A vida é singular, simples, mas desconhecida. Não sabemos o que aconteceu e nem saberemos. Mal sabemos se de fato aconteceu.
_ O que?
_ O que não sabemos.
_ E se soubéssemos?
_ Anteciparíamos nossa compreensão. E isto não seria espantoso.
_ Não está contraditório?
_ Não só da lógica formal nosso intelecto se serve.
_ Então, do que?
_ Das muitas possibilidades. Dos muitos Vazios e Nadas em que construímos nossos dias. O instante presente é capaz de alterar toda Roda da Fortuna. E nós sabemos disso. Só fingimos que não. Porque o medo também tem seu império.
_ Queria o suicídio?
_ Queria algo pelo que dar a vida. Algo pelo qual valesse a pena perder sua vida. Aparência!
_ O que é aparência?
_ Os instantes. A vida. Aparência. Mas talvez nunca saibamos o que se faz aparecer. Só sabemos o que salta aos olhos. Não diziam os antigos ‘a verdade gosta de esconder-se’?
_ Desolador. Por que não chegou a um desfecho?
_ Sabia que o valor de algo estava na sua perda.

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