sábado, 29 de maio de 2010

Passagem

Agora estavam todos de pé, ainda em círculo, mas de pé. Haviam largados os instrumentos no chão, mesclando-os ao capim semi-morto. Tinham percebido que algumas pedras, como ametista e ônix, haviam se perdido no meio do capim e não voltariam mais. “Não se importem” – fez-se ouvir Santhiago – “a terra tratou de cuidar do que é dela e nós havíamos nos esquecido de entregá-la”. Apagaram as velas, o círculo foi fechado, mas incensos permaneceram até que os ventos os apagassem. Poucos ali podiam perceber a presença inigualável do Senhor de Dias, mas ele se revezava entre os presentes, soprando-lhes nos ouvidos os segredos de suas almas. Ele cuidou para que algumas portas permanecessem fechadas. Se abertas, grandes causas pesariam sobre Santhiago. E ele sabia disso. Era o único que poderia sentir a grande Roda da Fortuna rangendo um novo movimento, que poderia sentir as Moiras tecendo as vidas dos viventes, o grande Senhor dos Ventos soprar de Edé, a Senhora da Noite se alegrar em seu reinado que acabava de chegar. Que sabia que o poderoso e supremo Senhor que habitava o Verde observava a tudo, enquanto se esvaía nas plantas ao redor.

_ Pergunte o que você quer saber ao Simão – um tanto soberbo, Asrareh largou a taça de vinho após regar-se dele.
_ Eu quero saber sobre minhas privações.
_ Privações? – Santhiago, lúcido, sereno e atento, mergulhou fundo nos olhos de Asrareh e Simão – Que privações?

Simão ergueu-se em sua voz e encheu-se de uma sabedoria neófita.

_ Durante sete dias, sem cafeína, carne vermelha, ovos, leite, qualquer alimento que tenha tido sangue, vida, abstenha-se de práticas poucos aconselháveis como jogos de azar (azar!), não entre em água corrente e não faça sexo. Após os sete dias, vida normal.

As nuvens pareciam concordar que Santhiago fala-se. Os Senhores ali presentes riam, mas se iravam. Eram suas vozes mal ouvidas, mal colocadas. Era a fala de um de nós sendo confundida com a dos Senhores. “Diga algo, Santhiago, diga”.

_ Esqueça o que Simão acabou de dizer. – Santhiago sentiu-se intrometido, mas precisava disso – Nada de privações.
_ Mas elas são necessárias – argumentou, mal mas argumento, o rapaz recorrendo ajuda a Asrareh e Simão.
_ Santhiago, eu tive as privações. Ele também tem que ter.
_ Simão, não é porque você se privou de algumas coisas que todos tem que se privar também. Seu início foi diferente. Não é necessário a ele que se prive. – lançou olhar ao rapaz – Preocupe-se, apenas, em viver. Privações são negações à vida. Quando formos embora, tome um banho, vá para o quarto e durma. Acorde de manhã, perceba que a vide é maravilhosa do jeito que ela é. Não se prive do que você gosta. Não se castre. Viver ultrapassa tudo isso. Vá sim ao mar, ao rio, coma e beba o que te agrada, mas com o cuidado necessário à sua saúde. – Olhou para o rapaz e a sua namorada que se encontrava próxima a ele – E faça sexo sim.
_ Mas Santhiago, eu me privei de tudo isso. Porque está liberando pra ele? Pelo menos, prive-o de sexo até amanhã.
_ Simão, não posso privá-lo porque isso não é de nossa responsabilidade. O sexo é intimo dele. Ele faz quando o decidir. Alem disso, lembre-se que as primeiras formas de religião no mundo tinham seu ponto máximo no orgasmo. O orgasmo era visto como o momento mais próximo da Divindade. Ame! Viva a sua vida, vida a vida neste mundo e se alimente de cada coisa que te fortalece. Apenas viva sem se preocupar com regras desimportantes.

Ashré!

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